A universitária Thaís Veríssimo já foi incomodada por uma passageira que
ouvia música sem fone de ouvido ao viajar do Rio para Teresópolis
Foto:
Fabio Rossi / O Globo
RIO - O publicitário Wellington Amaral pegou o ônibus 696 ao sair da
faculdade, como sempre fazia. Depois de um dia cansativo, mal sabia ele
que teria uma viagem estressante. Ao seu lado, um rapaz ligou o celular e
começou a ouvir música sem fone de ouvido. Como se já não bastasse um
“DJ” durante a viagem, na outra fileira de bancos uma moça fez a mesma
coisa. O rapaz, então, ligou um segundo celular para “competir” com a
jovem. Por causa de situações como essa que a Assembleia Legislativa
vota até o fim deste mês um projeto de lei que prevê multa de R$ 1 mil
reais para passageiros que insistirem em ouvir som sem fone de ouvido e
também para a empresa de transporte.
- Não só eu me senti
incomodado, os outros passageiros do ônibus também. Mas eu fiquei
quieto, assim como os outros, não falei nada porque faço tudo para
evitar confusão – conta Wellington.
Veja também
A
economista Glaucia dos Santos, de 28 anos, passou por problema
semelhante, mas decidiu não ficar calada. Enquanto dormia no ônibus da
linha 2236, que faz o trajeto Campo Grande-Castelo, um homem ligou seu
notebook e pôs um clipe musical para tocar – mais uma vez, sem usar fone
de ouvido.
- Eu acordei assustada porque o som estava alto. Eu
disse que o computador dele parecia muito moderno, mas que não tinham
apresentado a ele um equipamento igualmente moderno, que é o fone de
ouvido. Ele respondeu que estava sem fone e abaixou o volume. Eu
reclamei, mas meu pai falou para eu não fazer mais isso porque posso
apanhar na rua.
O medo de reclamar é justificável, principalmente diante de tantos casos de morte por motivo banal. Em março de 2010, um homem foi morto dentro de um ônibus em Botafogo depois de se recusar a fechar a janela.
Isso sem falar nos casos fora do transporte público, como os que
aconteceram porque alguém colocou lixo na calçada do vizinho ou reclamou
de barulho durante a madrugada. Segundo o deputado Bruno Correia,
autor do projeto de lei, a multa de R$ 1 mil reais para passageiros mal
educados e empresas de transporte que não tomam providências contra
eles seria aplicada apenas em último caso: - Primeiro há a
recomendação de o próprio motorista ou funcionário da empresa orientar o
passageiro a desligar o aparelho ou usar o fone. Não sendo cumprida, há
a multa, que seria aplicada pela força policial mais próxima. Sobre o valor da multa, que para alguns pode parecer um exagero, o deputado justifica: -
Isso é um parâmetro. A maioria das leis prevê multa nessa faixa. E,
quando mexe no bolso, a população costuma pensar mais nos seus atos. O
mais importante, entretanto, é a mudança cultural. Todos têm que
respeitar o direito do próximo. Há momentos apropriados, e no coletivo
isso não é adequado. A proposta do deputado vale apenas para meios
de transporte intermunicipais. O projeto de Bruno Correia já passou por
algumas comissões da Casa. Se for aprovado, deverá coibir situações
como a que universitária Thaís Veríssimo passou. Durante uma viagem de
madrugada do Rio para Teresópolis, uma mulher ouvia uma rádio evangélica
pelo celular, com o alto-falante ligado.
- Uma outra passageira
foi até ela e pediu gentilmente para desligar a música porque estava
incomodando os outros passageiros. Ela justificou que “a música era de
Deus”. A moça respondeu: "tudo bem senhora, mas nem todos querem ser
evangelizados e estão incomodados. Desligue, por favor". Ela se rendeu e
desligou.
Como a lei se aplica a meio de transporte
intermunicipal, outros beneficiados seriam os passageiros das barcas. O
servidor público Evandro Pereira, de 29 anos, conta que em uma viagem de
Niterói para o Rio, um homem ouvia um funk com letras pornográficas. Na
ocasião, Evandro estava com o seu filho, que tinha 5 anos.
- Eu
pedi pra ele: "amigo, por favor, pode desligar a música? Pela lei, é
proibido usar aparelho de som em transporte público". Ele disse que não
sabia que lei era essa, mas desligou. Mas logo em seguida ligou de novo.
Então chamei um funcionário da Barcas S/A, que pediu para que ele
desligasse. Só assim ele acatou. Sem lei, decretos e portarias preveem apenas avisos proibitivos, mas não as providências
De
fato, não há uma lei que proíba ouvir som em transporte público sem
fone de ouvido. O decreto municipal n° 12.713/94 prevê apenas que os
veículos devem ter um adesivo informando que é proibido usar aparelho de
som. De acordo com a Secretaria Municipal de transportes, as
autoridades dentro do ônibus são o motorista e/ou o cobrador e cabe a
eles solicitar ao portador do equipamento de som que diminua o volume ou
tomar as devidas providências para o bom andamento da viagem. Para as
linhas intermunicipais, vale a portaria 437/97 do Detro, que proíbe
aparelho sonoro no interior do veículo, mas não define sobre o que o
usuário incomodado deve fazer.
Segundo a assessoria do
Departamento, o passageiro pode reclamar ao motorista, que deve pedir
que o aparelho seja desligado. Caso ele insista, o motorista poderá
procurar a autoridade policial mais próxima ou um fiscal do Detro, se
houver.
A Barcas S/A informou que também sinaliza as estações e as
embarcações, orientando o usuário a não utilizar equipamentos que
emitam som alto. Porém, os funcionários da empresa não podem obrigar
ninguém a desligar o aparelho.
Segundo o MetrôRio, o Decreto
Estadual nº 2.522/1979 prevê advertência ao passageiro que não atender à
orientação de desligar ao aparelho de som. Os clientes que se sentirem
incomodados devem procurar os agentes de segurança nas estações. Esses,
apesar de não poderem retirar o cliente do metrô, orientam o passageiro a
abaixar o volume ou usar fone de ouvidos.
No caso dos trens, a
SuperVia informou que a atitude é considerada inconveniente pelo
regulamento do transporte ferroviário, o decreto nº 1932/1996. Para
garantir o bem estar dos demais passageiros, a atitude é coibida pelos
agentes da concessionária, a quem os demais passageiros podem reclamar.
Quem insistir no comportamento inconveniente poderá ser convidado a se
retirar do trem.
Em outubro do ano passado, a concessionária iniciou uma campanha incentivando o uso do fone de ouvido. Segundo a SuperVia, a campanha foi elogiada por muitos passageiros, mas o número de reclamações não diminuiu. Cigarro e aparelhos de som: avisos lado a lado, mas apenas um deles é baseado em lei
Na
maioria dos meios transportes públicos existem avisos fixados,
geralmente no interior, sobre as proibições – como conversar com o
motorista, no caso dos ônibus; fumar e usar aparelhos sonoros.
A
proibição ao fumo se baseia na lei estadual nº 5.517/2009, que não
apenas proíbe, como prevê a retirada do usuário que insistir em fumar.
Essa atitude é de responsabilidade da empresa, que, se não cumprir a
lei, pode ser multada entre 1.548,63 e 15.486,27 UFIRs (Unidade Fiscal
de Referência).
Para Wellington do Amaral, personagem do início da matéria, entretanto, uma lei para aparelhos sonoros não será suficiente:
-
Todo mundo fica indignado quando alguém fuma no ônibus, mesmo que seja
na janela. Acho que essa mesma indignação tem que ser usada nesse caso.
Se houver uma lei que proíba, também acredito que deve haver uma
campanha de conscientização.
Nenhum comentário:
Postar um comentário